Lugar de fala e o lugar de diálogo
Reaparecem os donos( proprietários ) de falas, ou seja, "somente
nós podemos falar sobre nossos problemas, nossas vidas e de nossas coisas, ninguém
mais".
Segundo o filósofo Pablo Ortellado, "(…) o lugar de fala indiretamente
reforça os argumentos “ad hominem”
e enfraquece o pensamento racional inteligente.
Os argumentos “ad hominem”
são falácias( mentiras
contadas de forma inteligente que enganam ) condenadas desde a antiguidade
clássica porque desqualificam quem fala para não precisar discutir o teor do
que diz o adversário.
Quando “autoridades” ou “grupos”
criticam ou censuram discursos de opressão falados pelos próprios oprimidos(
injustiçados ), de certa maneira legitima uma modalidade de argumento ad
hominem.
Olhando pelos olhos críticos do
professor Paulo Cruz, o lugar de fala vem se baseando em dois
pilares, não muito firmes:
1.- O “nosso lugar no mundo
determinaria nossa percepção do mundo e nossas idéias sobre o mesmo” ?
2.- O “nosso lugar no mundo
tornaria nossas proposições (argumentos) sobre nossa própria situação
automaticamente verdadeiras e válidas”?
Em relação ao ponto um, a
crítica: a nossa posição social pessoal determina nossa
consciência e nossas idéias, ou seja, o nosso ambiente, bom, ruim, ou médio, molda nossa consciência.
Quando ao item dois, se encaixa
na falácia de argumentos, pois cria uma relação entre características
pessoais de quem argumenta e a veracidade e validade dos argumentos. Para ser dono da verdade sobre algum tema a
pessoa deve vestir/viver essa realidade na prática.
O pensador francês de família de classe média Michel Foucault, em sua
obra, O sujeito e o poder, diz que: “O poder não é
fechado, ele estabelece relações múltiplas de poder, caracterizando e
constituindo o corpo social e, para que não desmorone, necessita de uma
produção, uma acumulação, uma circulação e um funcionamento de um discurso
sólido e convincente. "Somos obrigados pelo poder a produzir
verdade", nos confessa o pensador, "somos obrigados ou condenados a
confessar a verdade ou encontrá-la (…) Estamos submetidos à verdade também no
sentido em que ela é a lei, e produz o discurso da verdade que decide,
transmite e reproduz, pelo menos em parte, efeitos de poder (p.180)."
Nessa luta política
pelo empoderamento, cada pessoa ou
grupo, tenta se armar de discurso com a eficiência para justificar atos, convencer de uma verdade ou de
uma falácia, reunir adeptos( discípulos),
constranger oponentes, atrair simpatia
ou compreensão geral, mobilizar para a ação política.
Paradoxalmente,
nesse mundão cada vez mais globalizado e interativo em rede internacionalmente as
falas( discursos ) individuais ou de clãs( grupinhos=tribos ) estão crescem com
muita força, como se fosse um instinto primitivo de autopreservação das
individualidades culturais locais.

A ferramentas de
conceitos estão sendo usadas em larga escala social, tanto pelos conservadores
e pelo progressistas/liberais, ou melhor, pelos extrema direitistas e pelos
esquerdistas. Um luta de poder travada desde a segunda guerra mundial, ou até
mesmo antes, para defesa de formas de
vidas prontas vendidas em dois únicos pacotes mundiais.

Filosoficamente,
não faz sentido opor conceito e uso. No máximo, podemos dizer que o conceito
original de “lugar de falar” foi em sua maior parte reconfigurado como um novo conceito, este, sim, de
amplo uso e enorme gama de aplicação na luta política.
O “lugar de
fala” tem sido uma ferramenta largamente usada nos últimos tempos, tanto para
reforçar os vínculos e engajar para a luta política, tanto para orientar a ação
política dos mobilizados e engajados como para oferecer justificativas de
superioridade moral para ação praticada.
O “lugar de
fala” virou um discurso político sobre direitos de autoria exclusivo para
algumas pessoas que lideram alguns clãs (“nós
podemos falar em nosso nome e de nossas coisas”).
A reivindicação
de falar por si mesmos, de não ser reduzidos perenemente à condição de objeto
ou assunto, chegou-se rapidamente à reivindicação de superioridade absoluta da
autorrepresentação, à interdição da fala que não se situa na minoria. O acesso
à verdade depende da posição social e de nada mais. Esse discurso está
criando seres extremistas, “xerifes”, “inspetores”,
“fiscalizadores” ou “ditadores”, motivando-os ou justifica-os a inspecionar listas de
bibliografias para verificar a proporção de autores por seu “lugar de fala”,
independentemente de quaisquer outros critérios. Lavramento de autos de
infração e punições instantaneamente aplicadas por meio agressões, bloqueios e
impedimentos – em peças de teatro e em debates políticos públicos. A militância do “lugar de fala” tornou-se,
crescentemente, bruta, intolerante e agressiva.
O doutor de
filosofia Wilson Gomes, autor da obra democracia no mundo digital nos traz
algumas críticas interessantes sobre esse tema. Os donos dos lugares de fala, usarão isso
para punir ou recompensar indivíduos singulares em virtude da classe de
indivíduos em que eles se situam. Independentemente
do que você fale ou seja, a reivindicação de que você deve calar a boca, porque
as pessoas da sua espécie já falaram demais, e me deixar falar sozinho, porque
as pessoas da minha espécie não tiveram chances históricas de falar, é um
truque para disfarçar o meu autoritarismo e a minha intolerância.
Assim, como
toda nova ferramenta política, torcemos para que não vire mais uma arma de
monopólio da fala(argumento) e novo meio de censuras das demais idéias
diferentes;
Que não se
torne um fundamentalismo político para proteger nos depósito os dogmas intolerantes de superioridade moral; ou
ainda, um local de privilégio apenas alguns falarem e outros caleram a
boca( Exemplo: o lugar de falar é meu e ao
mesmo tempo um lugar de calar – eu falo, você cala ).
Com o lugar de
fala, vem junto as propriedades de espécie ou individuais, isto é, a competência,
o domínio do assunto, inteligência ou boa-fé intelectual ficam para um segundo
plano e o que importa é a que gênero ou
espécie identitária você pertence e cujo direito de representar você pode
reivindicar.
Nós
como uma sociedade inteligente, organizada e plural, temos o dever ficar atentos a essa ferramenta e as pessoas
que a utilizam para o mal, ou seja, usem para destruir o acúmulo de avanço
social de amor e interatividade humana baseada no diálogo entre os diversos
clãs sociais.